sábado, 19 de dezembro de 2009

Ney Matogrosso - Ousa Ser

Ney Matogrosso - Ousa Ser
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Havia desde a década de 80 o desejo de realizar um livro com as fotos de Luiz Fernando Borges da Fonseca sobre o artista Ney Matogrosso. Luiz Fernando acompanhou o cantor desde seus primeiros ensaios ao lado de sua companheira Luli, de quem Ney gravaria muitos sucessos.
Mas só começou a fotografá-lo para a capa de seu primeiro disco "Água do céu - pássaro", cujo projeto gráfico fora criado pelo artista plástico Rubens Gerchman.
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Para realizar o trabalho, Luiz Fernando e Ney seguem para a Ponta do Pombeba, na Restinga da Marambaia, onde fotógrafo e cantor interagem de forma criativa com a roupa de pele, crina de cavalo e chifres idealizada pelo cantor juntamente com o artesão Ricardo Zambeli. Na mesma época, vão a Figueiras - onde Luiz já morava com Luli - e Ney é fotografado junto à secular figueira, da qual brotava uma misteriosa nascente.
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Nesses dois primeiros ensaios, o humano e os elementais se fundem num mesmo ser, e o artista revela-o no que há de ancestral e, ao mesmo tempo, de contemporâneo.Luiz Fernando, fascinado por essas ambigüidades, começa a acompanhar Ney nos ensaios, camarins e palcos do país, tecendo um retrato que, de tão preciso e forte, se torna até expressionista em alguns momentos, essencialmente nas fotos em branco e preto.
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E já não são simples fotos para as capas e divulgação dos vários discos do cantor, mas a revelação do espírito raro, o mais recôndito ser de alguém se afirmando no palco e na paisagem.
Levando Ney para sua terra, Mato Grosso, Luiz Fernando revela, no Pantanal, o índio que se faz água, bicho e árvore. A simbiose é também perfeita nos ângulos inusitados e belos.
Assim, este livro é um tributo a Luiz Fernando, o grande artista e artesão - parceiro, amigo e irmão de Ney -, pelos seus anos dedicados a decifrar um quase-enigma que se guarda num só artista e aqui se entrega por inteiro em imagens e no seu depoimento corajoso.
Lê-lo é mais do que saber um pouco mais de um ser tão complexo e vasto.
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A minha arte é fazer deste ato editorial um raro momento de prazer; tornar real a felicidade para Ney e seu fiel público e para as companheiras, filhos e filhas de Luiz Fernando, os quais muito amo.
No CD está a rara voz, cada vez mais afinada e erudita, revisitando o popular Cartola, genial sambista/filósofo que Ney tanto admira.É um presente que ele nos dá - e nós nos damos - em seus 60 anos dedicados à ousar ser.
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Algo de extraordinário e novo acontecia no Teatro Itália naqueles tempos de repressão e medo.Uma banda, mixando MPB e rock, esquentava as frias noites paulistanas, incitando o público que comparecia ao rito musical que, a cada dia, se tornava um ato quase religioso: o show dos "Secos & Molhados".
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O frêmito acontecia quando um estranho ser, que não parecia homem e nem carecia ser mulher, adentrava audacioso e solene naquele palco. A face pintada não fingia uma máscara. Esta também revelava dezenas de personagens exalando do corpo todo que cantava.
Era a incomum ousadia de um deus/deusa que celebrava, pela primeira vez na música brasileira, uma extrovertida teatralidade e uma feminina e prazerosa forma de cantar. E tudo isso habitava num único ser humano: Ney Matogrosso.Muito antes do transformismo de Kiss e David Bowie, e muito tempo depois, por coerência e persistência, estava Ney no que era ainda possível de acontecer na cena lúdica da música popular brasileira. Ela, tradicional, despudorada e bela, começara a descontrair-se ao final da década de 60, com o evento comportamental do Tropicalismo de Caetano, Gilberto, Gal, Mutantes e Tom Zé.
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Todos, numa inventiva e desabusada anarquia, faziam do programa de TV "Divino e Maravilhoso" o calo que tanto incomodou a censura e foi um dos motivos do exílio de Gil e Veloso.Ney surgia nos "Secos & Molhados" como um resumo possível de tudo, continuando as invocações femininas que Caetano começara a assumir no palco, com um provocante vestuário à la Carmem Miranda, na sua volta do exílio. Matogrosso era a provocação que faltava; o auxílio precioso para desreprimir definitivamente a sutil libido poética e política da machista utopia Brasil.Quando Ney entrava em cena, algo restabelecia nosso direito-cidadão de ser a cara dos nossos próprios sonhos.
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Ali estavam os jeitos e gestos andróginos não assumidos, pela falta de delicadeza dos homens no trato com a outra: o feminino em nós, os machos. Naqueles tempos, a inspiração era ainda guerrilheira. Sonhava-se endurecer apenas, com pouca ternura pelas noites de "Latinoamérica".
Igualmente rugia, ainda reprimido, o homem que havia dentro das mulheres: o masculino em todas as fêmeas. E além do feminismo que surgia tímido e confuso, homens e mulheres lutavam ainda pelo direito de assumir suas responsabilidades com a verdade de cada um ser o que cada um verdadeiramente é.
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Ney, no meio dessa paisagem ambígua e promissora, virava homem e lobisomem, fada e duende, pirilampo e saci transformista que nem carecia mudar de indumentária. Com a agilidade e a elegância de uma gazela, fazia o público respirar somente a sua eletrizante e excitante presença. E ela nos dizia o mais "belo (...) sim numa sala negativa" (João Cabral de Mello Neto).
Nos tempos de tão negros nãos, seu corpo e alma - um só - faziam o "exercício experimental da liberdade" (Mário Pedrosa), com leveza e extrema coragem. Anunciava que era passível e possível nos representar, ao conferir-nos uma força inusitada, pelo que expirava em seu corpo o porte de nobreza, e pelo que inspirava sua bela e vasta voz masculina/feminina.Sua singular gestualidade e plural musicalidade também exprimiam a transparente vontade sensorial de todos os nossos desejos escondidos no beco da sensualidade nacional. Havia ali a mais profunda cor do pecado da realidade brasileira, exposta às vísceras naquela década de 70: nossa sexualidade reprimida, sem o gosto fundamental do prazer; e a amorosidade, ainda mascarada pelo discurso de posse e o sonho do poder.
Eram tempos em que extraíamos, com mil ardis do mais arraigado simbolismo, os substratos para enganar engenhosamente a censura e revelar, ao mesmo tempo, uma força criativa que nos trouxe um original projeto construtivo de encantamento pelo humano e por estar no mundo.Por isso, o advento de Ney Matogrosso nessa cena cultural representava uma revolução ambulante, uma metamorfose encarnando todos os arquétipos que um ser humano podia expressar e ambicionar, além de seus próprios limites.

E ele soube trazer ao consciente coletivo da nação seu inconsciente cheio de pudor e medo, para lhe dar o ar da graça e redenção; fazendo naquele e nos espetáculos futuros verdadeiros ritos tribais de catarse e alegria.
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Quem era esse ainda desconhecido Ney que, nem seco e nem molhado e com um canto de incrível soltura, desenhava a poética brasileira, perpassando os modernistas com a rosa rota de Vinícius e revelando outros poetas, compositores e sons?Que rock'n'roll esquisito era aquele, ao mesmo tempo MPB do avesso e com o gosto do mais tradicional, nos colocava em outra dimensão universal de ser e de confrontar o mundo?Matogrosso, com rigor mundano, era um enigma pintado das cores e com as formas de todas as nossas mais ambiciosas fantasias.
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Esfinge esguia que não devorava, mas deixava-se delirantemente devorar pelo desejo voraz de todos, transformando-se no arquétipo do mito mais-que-perfeito de nossa liberdade de assumir nossa cara, ao mesmo tempo generosa e esperta, digna e maliciosa, religiosa e festeira.Ele trazia tudo isso à superfície, com extrema sensibilidade e bom gosto. Não esqueceu que o recato, a criatividade e o pudor caipira eram primordiais e faziam a brasilidade existir, conferindo-nos uma integridade singular, sem a qual jamais construiríamos uma arte genuína.
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O matogrossense Ney nascia ali, naquelas noites paulistanas; parido nobre Macunaíma entre uivos e vagidos entusiasmados de um público ávido, não só pela novidade, mas por alguém que facilitasse abrir a panela de pressão da ditadura e explorasse os limites, mostrando com claridade sensível o gosto e o desgosto real dos brasileiros.
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Ney não teve medo de ser a Carmem sem-vergonha da nossa ópera bufa carnavalesca ou a nossa refinada Miranda que, com seus jujus e balangandãs, assume o risco fatal dos exageros.Casando mais tarde o chic com o brega ou visitando também com originalidade os momentos mais sofisticados da canção popular, Matogrosso já anuncia naquelas noites para que viria e a quem incomodaria, desafiando até mesmo o "bom gosto" da elite intelectual, somente para ser sincero com a fartura da sua virtuosa realidade.
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Cabia e descabia, naquele franzino corpo ágil e quase nu de humano e fauno, uma voz até então não experienciada pela nossa emoção descarada, por tão imensamente humana e trágica em seu discurso amoroso. Ali já estava o que era contenção e glamour das divas modernas, como Dalva, Elizeth ou Ângela; ao que se juntavam as emoções contemporâneas de outras deusas, como Elis, Clara, Gal e Bethânia. Desaguavam também os deuses caudalosos em Gonçalves, Orlando e Gilberto; e o milagre dos peixes, nas vozes autorais de Milton, Caetano, Gil e Chico.
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Ney era o resumo de todas essas vertentes numa expressão única: ele seria o intérprete mais original do sonho desses artistas, com uma percepção precisa do recurso teatral. Usava o instrumento corporal para ser, ele mesmo, a própria canção; e estar à vontade com o seu nu e com as instrumentais vestimentas que lhe oferecia sua amada musa: a música.
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Matogrosso, dignificando e sendo fiel à sua origem pantaneira, vem todo grávido do silvestre. É pássaro, de tão índio; é flor humana aberta ao aroma de todos os ventos; é prazer de enfeitar a singeleza das coisas. Coisas que nada prestam para a utilidade, mas, como poetiza seu conterrâneo Manoel de Barros, servem apenas para utensílios sutis de um poema.
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A quem se permitiu tanto, da brejeira malícia ao singelo jocoso, nada como colher agora uma suavidade que ainda se mantém desafiadora e límpida, de tão afinada, pela sinceridade e lealdade ao ofício sagrado de cantar.
Para quem, sabendo-se homem e merecendo sua mulher, coloca o desejo no lugar certo do palco e do público, nada melhor do que o vigor que se mantém aceso depois de seis décadas dedicadas a doar-se à vida, seja como enfermeiro paciente no Hospital de Base, em Brasília, seja vendendo artesanato na feira hippie de Ipanema. Na praia carioca, foi descoberto, cantando ainda tímido, pela compositora Luli, de quem gravaria os sucessos "Vira" e "Fala", além de inúmeras canções dela com a parceira Lucina. Ambas amigas e cúmplices inseparáveis de Ney em todo esse trajeto.
Mas em todos os momentos, Ney é sempre o mesmo: irmão das diversidades de árvores que planta e cuida junto das águas minerais, em seu sítio na serra, e das coisas simples e amigas que ele tanto ama. Contudo separa muito bem, e com rigor, o que é a sua intimidade tímida na vida privada do que escancara nu, quando se abrem as cortinas e um personagem fascinante se impõe com soberana musicalidade.
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O corpo, dando vontade à música, alimenta a poesia no desenho estético e elegante de cada gesto natural e ousado.Ocupando a solidão do palco com sua imensidão de ser, muito mais vasta do que o poder de uma canção, Ney desafia, com seu olhar poderoso e penetrante, a inibição e o lótus escondido do nosso saber: aquilo que verdadeiramente somos nos nossos muitos mitos de poder.
Ele ilumina os escuros vãos de nossas saliências piedosas e pede com coragem quase impiedosa: sejam! Ele é profundamente profano e divino no mesmo corpo/alma. Celebra no altar do palco um rito visceral todas as noites, desde aqueles dias quem testemunhei na platéia do Teatro Itália, em São Paulo. Momentos que se transformaram em substratos comportamentais, poéticos e políticos para o ser que eu e muitos vivem no agora. Aquela força se transformou no inesquecível e alimentou para sempre a minha alma de artista. E também a de outros seres que, com ousadia e coragem, puderam desenhar, com o afinado e afiado canto de Ney, um projeto intenso de felicidade.
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E é esse projeto feliz o sonho real dos que jamais terão medo da ilusão da morte; e dos que podem fazer da vida não só uma obra de arte, mas a própria arte.Ney Matogrosso, naquela noite, eternizou-se em mim.Virou uma estrela amiga a serviço da vontade que sempre tenho de me encantar com a poética transformadora e transparente do mundo.
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NEY - FALA I

O poeta Manoel Bandeira dizia que alumbramento é um encantamento poético pelas coisas do mundo.
Qual foi o seu primeiro alumbramento, aquele que despertou um êxtase, facilitou seu processo criativo ou que o auxiliou a sonhar?

Eu não sei por que razão minha mãe, que não era uma pessoa que freqüentasse estação de rádio, me levou até a Radio Nacional.
E eu vi Elvira Pagã toda vestida com trapos e pele de onça, e tive um choque com aquilo. Era como se tivesse acendido uma luz, sabe? O fato dela estar cantando com o corpo exposto com aquilo tudo... E hoje em dia eu noto que tenho essa coisa do corpo bem acentuada. Mas a primeira vez que eu vi uma coisa assim foi exatamente na Rádio Nacional, com Elvira Pagã cantando, toda vestida daquele jeito. Isso, inconscientemente, foi me despertando. E quando eu vejo o meu histórico, eu acho que tem muito a ver com isso...

...que aflorou depois vindo do inconsciente.

É, como uma possibilidade artística.

E qual era sua idade?

Eu era muito pequeno. Devia ter uns cinco, seis anos... Foi quando minha família veio morar no Rio.

E qual foi a primeira manifestação de arte que brotou na sua infância?

Eu queria ser pintor e desenhava muito bem. Enquanto todos brincavam, eu passava as tardes desenhando. E quando não tinha papel, ficava desenhando com um graveto no chão do quintal da casa. Depois, uma tia minha viu que eu tinha essa tendência muito forte pra desenhar, e me mandava resmas de papel. E eu desenhava, desenhava... Quando não tinha esse papel, eu desenhava em papel de pão. Desenhava o tempo inteiro. Cheguei a desenhar muito bem. A ponto de, sem nenhum estudo, conseguir fazer muitos bons retratos. E aí pedi pro meu pai pra estudar pintura. Ele disse que não queria ter um filho artista. Nessa época eu tinha uns onze ou doze anos.

Mas isso não te deteve...

Não. Eu continuei desenhando. O que é muito interessante é que, a partir do momento em que larguei tudo em Brasília e fui ser hippie e viver de artesanato, eu não desenhei mais. Mas criava com as minhas mãos objetos e coisas que a minha mente tirava não sei de onde. E a partir do momento em que comecei a cantar, nunca mais desenhei, nem fiz nada com as mãos. Foi tudo canalizado para o palco. Às vezes eu sinto falta de realizar coisas com as mãos.

Você não acha que o próprio fato do seu corpo expressar-se junto com a música, exteriorizando através das roupas seus personagens, não cria também o fator pictórico presente nos desenhos que você realizou?

Ah, sim. Eu acho que aí todo o meu senso artístico e pictórico ficou todo voltado pra manifestação musical. Eu não fui pintor, mas tinha uma preocupação com a forma e com o desenho corporal. Nunca entrei num palco para as pessoas me pegaram desprevenido. Eu sempre ofereço um desenho, que pode ser visto de vários ângulos, mas é um desenho. Mas acho que a influência quanto ao tipo de colocação física veio do cinema. Eu sempre entendi que no cinema existe uma oferta da imagem. Não é uma imagem aleatória, e sim uma imagem ofertada e decidida que será aquela. Acho que eu captei essa coisa do cinema, quando coloquei isso em cena no palco. A visão do cinema também me ofereceu essa condição de desenhar com o corpo.

Eu fiz um recital no Museu de Arte de São Paulo, que se chamava "Desenhar a Palavra Cantada no Ar". Desenhar com todos os gestos do corpo, além do som e das palavras. E eu tenho essa sensação quando te vejo em cena. Você desenha um projeto muito semelhante.

E essa palavra cantada gera estímulos nas pessoas, dependendo do que você esteja dizendo. Se for uma coisa triste, você gera uma melancolia. Se for uma coisa alegre, você gera uma coisa esfuziante. Mas é a palavra, com todo o seu sentimento e todo o seu corpo envolvido.

E são projeções estéticas no desenvolvimento do imaginário poético. E na juventude, que poetas te tocaram?

Foi realmente a música no rádio. A palavra que me inspirava era essa palavra cantada que eu ficava ouvindo. Quando eu era criança, não existia televisão, e o rádio ocupava esse espaço que a TV ocupa hoje. E essa palavra cantada sempre me chamou muito a atenção.

Quem eram os cantores e cantoras que você escutava?

Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Linda e Dircinha Batista, Carmélia Alves, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Francisco Alves e, depois, a Ângela Maria. Eram os cantores considerados e amados pelo público e pela crítica da época de ouro da música brasileira dos anos 30 e 40.

E quando você entrou em contato com a literatura?

Eu lia tudo do Monteiro Lobato.
Foram seus personagens que primeiro alimentaram seu imaginário?
Foi. E eles despertaram o interesse pela leitura que eu nunca mais perdi. Eu adoro ler. Abro mão de sair de casa pra ir a qualquer lugar se eu tenho um bom livro na minha mão. Gosto mesmo, necessito da literatura.

E quem te tocou primeiro na poesia?

Sempre tive dificuldade com poesia. Eu não entendia. Só fui compreender a poesia depois dos "Secos & Molhados". Como nós trabalhávamos muito com a poética, aquilo me despertou a vontade de ler poemas.

E na infância, que fato relevante ajudou a formar tua personalidade?

Eu tinha uma professora que me estimulava muito. No começo, não estudei em colégio. Estudava com essa professora na casa dela. E me lembro que ela me estimulava para essa coisa do teatro. E também uma vizinha que, contrariando meu pai, fazia figurinos para que eu usasse nas encenações teatrais das festas de fim de ano no colégio. Eu me lembro que ela fez um fraque inteiro de papel crepom para eu fazer uma cena. Isso foi um estímulo muito grande, depois da história da pintura que meu pai brecou, quando disse que não ia me botar numa escola de pintura porque não queria um filho artista. Mas eu comecei a fazer teatro no colégio quando eu tinha uns 13 anos. E fazia escondido, porque sabia que ele não permitiria. E essa vizinha foi a pessoa que mais me estimulou. Contrariando meu pai, me fez uma roupa inteira de papel crepom, com cartola e tudo. Era a Dona Chiquita... É uma lembrança boa de uma pessoa que me ajudou muito nesse sentido. E tinha também um parque perto de casa, onde nos fins de semana aconteciam programas de calouros, dos quais eu participava.

E na adolescência?

A adolescência para mim foi a negação de tudo. O único momento de crise da minha vida foi a adolescência inteira. Eu era introspectivo; fazia questão de não ser visto nem reconhecido. Não queria que soubessem quem eu era, nem o que eu pensava, nem o que eu gostaria de ser. E resolvi isso conscientemente. Eu determinei que não saberiam nada a meu respeito até eu poder me manifestar. Com 17 anos, eu saí de casa. Servi o Exército até os 19 anos. Fiquei algum tempo no Rio de Janeiro e fui para Brasília, onde me aproximei de tudo quanto foi manifestação artística: teatro, música, confecção e manipulação de bonecos de fantoches. Fui para Brasília em 1961, quando não tinha absolutamente nada. Então me aproximei de pessoas que eu via realizando essas coisas. Fui cantar em coral, participar de grupo de teatro... Foi em Brasília que, pela primeira vez, cantei música popular brasileira. Fiz parte também de um madrigal de cinco vozes masculinas que cantavam só música renascentista. E eu fazia aquela voz feminina, porque as mulheres nessa época não cantavam. Os homens faziam tudo no teatro e na música. Eu fazia aquela parte mais aguda. E era um trabalho muito interessante, muito radical mesmo para uma pessoa que não tinha formação erudita como eu. Eu tinha formação popular por influência do rádio.

Quer dizer que a voz que você fazia no madrigal se aproximava muito da sua voz aguda de hoje?

Ela sempre foi. Eu fui cantar no madrigal por causa dela. Um dos amigos que formou com a gente esse madrigal cantava no coral do colégio que era chamado "Elefante Branco". Uma vez, de brincadeira, sabendo que ele cantava nesse coral, eu disse: "acho que vou cantar nesse coral também". Aí cantei para ele, que me disse: "mas você pode mesmo ir lá cantar, você pode cantar". Eu nunca tinha, até então, ousado, porque achava que aquela voz era um defeito. Eu não achava que era uma vantagem; achava que era um defeito. E nesse coral, um dia, o maestro parou o ensaio pra me dizer que eu tinha uma voz rara, que aquilo era uma voz que, antigamente, castravam as crianças para terem. Era um registro raríssimo de um homem ter. Foi quando eu soube que aquilo, ao contrário de ser um defeito, era uma qualidade. Até então, eu não tinha nenhuma confiança. Aceitei cantar no coral porque ia cantar no meio de mais de 60 pessoas. Ninguém prestaria atenção na minha voz no meio de tantas outras.

Todo adolescente exercita a negação, até mesmo para afirmar sua identidade. Você conserva alguma das características dessa vivência até hoje, por exemplo, com a sua suposta timidez fora do palco...

Eu não acho que seja tímido. Sou recatado, de verdade. Não faço questão de aparecer. Prefiro observar a ser observado. O palco para mim já é satisfatório. Se tem alguma questão de ego envolvida, não preciso de nada além daquele palco, porque ali já satisfaço qualquer necessidade que eu tenha.

Então foi Brasília, onde você sente a especialidade da sua voz, que deu os sedimentos ou os substratos para o que você faz agora?

A partir daquele momento, eu tive uma garantia de que podia me arriscar nesse campo e que não era um defeito da máquina. Existia naquilo ali uma qualidade que podia até não ser considerada assim pelas outras pessoas, mas se um maestro tinha me dito isso... Então acho que aquilo me fez acreditar, embora, depois disso, eu não tenha seguido a música de coral. Estava também fazendo teatro e achava que a música era um elemento a mais para ser oferecido para o ator. Era bom para um ator poder cantar. Mas foi em Brasília que eu pude aprender isso. Quando recebi o convite para fazer os "Secos & Molhados", não titubeei. Eu sabia que poderia ir e que vergonha eu não passaria. Mesmo que não desse certo, eu não tinha nada a perder ou um nome a zelar. Já havia o respaldo de uma pessoa idônea – o maestro -, que tinha me dito uma coisa muito séria, que me tirou um problema. Pois quando era criança, falava fininho e as pessoas pegavam no meu pé. Imagina o que é um menino falando fininho? Era um problema. O que foi um motivo de zombaria quando eu era criança passou a ser motivo de orgulho. Eu fui seguro para o desafio de me transformar num cantor de um grupo. E sabia exatamente que estavam me chamando por causa daquela voz que eu tinha, porque a necessidade do grupo era de um homem com voz aguda. Então, eu sabia que daria conta do recado.

E Brasília lhe deu então régua e compasso?

Brasília é importantíssima na minha vida em todos os sentidos: artísticos e humanos. Brasília foi o momento de decisão na minha vida. Eu era dono do meu nariz, independente, trabalhava e ganhava o meu sustento. Podia exercitar e experimentar todas as coisas que me interessassem. E aí experimentei tudo que tive curiosidade.

Brasília é o tubo de ensaio da utopia.

E nela tudo o que me interessou eu fui ver o que era. Para todos os lados. Tudo que pode ser considerado torto, que pode ser considerado correto, eu experimentei. O que achei ser compatível comigo eu continuei; o que não era também descartei. Mas foi uma experiência muito interessante naquela época, porque Brasília não tinha nem 50 mil habitantes. Era um deserto aquela cidade. Eu me lembro que nessa época muita gente pirou, literalmente, de precisar ser internada, porque as pessoas tinham um contato repentino com elas próprias, que a gente não estava acostumado nas outras cidades. Porque Brasília era um ermo, um vazio entre uma super quadra e outra. Era uma distância enorme a ser percorrida. Você tinha muito tempo para você com você, o que é muito difícil noutras cidades exercitar. E Brasília obrigava a esse confronto.

De te colocar no conflito e numa situação de solitude, porque a solidão parece ser o medo de estar consigo mesmo. E aí, nesse confronto com aquela amplidão do cerrado, a cidade te obriga a compreender o estado real da solitude, que é estar em paz em qualquer situação.

E eu gostei disso. Não tenho nenhum problema de estar sozinho. Eu gosto de estar sozinho... E achei muito criativo o fato de Brasília me permitir sonhar. Mas era sonhar mesmo. Eu me lembro que estava trabalhando lá no hospital e, depois da hora do almoço, ficava no refeitório sonhando; a ponto das pessoas passarem na minha frente e eu não ver, porque estava longe, sonhando com todas as possibilidades de tudo como ser humano artisticamente... Eu já pensava em ser artista. Mas era uma coisa toda idealizada, que eu não sabia direito o que era, mas já sentia que eu era um artista. Ficava viajando, sonhando... Tanto que uma pessoa com quem eu conversava muito dizia: "Você continua sonhando"? Eu disse: "Continuo sonhando, mas vou realizar, sabe? Eu vou realizar, mas não tenho pressa. Sei que a hora certa chegará e que vou realizar". E senti que, nesse momento, essa pessoa deu um sorriso meio irônico, dizendo: "Coitado, esse vai ficar só sonhando a vida inteira e não vai realizar nada". Mas eu tinha certeza absoluta que concretizaria esses sonhos.

Nesses momentos você estava criando à vontade, que é a base para o sonho se tornar realidade...

É. Estava projetando à vontade o meu pensamento.

E tão poderoso é o nosso pensamento que o perigo é ele acabar corporificando o que a gente pensa. É por isso que a gente tem que ter muito cuidado com o que pensa e fala. E quais eram as pessoas com que você contracenava em Brasília?

Embora não fizesse faculdade, o meu meio cultural era a Universidade de Brasília, tanto no teatro como na música. Todas as pessoas eram de lá. E a Universidade de Brasília tinha uma coisa muito interessante: mesmo que você não fosse aluno inscrito, você podia assistir às aulas. Era tudo muito liberal, muito avançado para aquela época. Brasília realmente era 50 anos à frente do Brasil, em todos os sentidos. Culturalmente, então, era muito especial.

Foram cabeças maravilhosas para ensinar na Universidade, na década de 60. No Instituto de Artes, tinha gente como Amélia Toledo, Jorge Bodanski, Rubem Valentim, Fábio Magalhães e muitos outros...

Fora os que desapareceram com o golpe militar. Os mortos e os que fugiram de lá. Mas Brasília era um foco muito interessante, que te colocava na frente de um Brasil com uma mentalidade muito avançada.

Era o Darcy Ribeiro criando uma Universidade da utopia. E em que área você assistia a essas aulas dentro da Universidade?

Eu ia aleatoriamente, pois não queria estudar nada especificamente. Queria compartilhar daquilo, porque era uma coisa muito efervescente. Eu te confesso que, quando houve o golpe militar no Brasil, uma das coisas que mais me chocaram foi o que eles fizeram com a Universidade de Brasília, de quebrar tudo de cacetete, até mesmo as experiências de laboratório... Cientistas do mundo inteiro trabalhavam ali. Livros de arte foram rasgados e queimados. Acho que a coisa que mais me ofendeu foi exatamente o que eles fizeram dentro da Universidade, embora eu não fosse um aluno dela.

Claro, toda aquela experimentação e liberdade agredia demais o pensamento da direita. Era um laboratório de pura transgressão o que estava acontecendo na UnB.

A palavra é transgressão mesmo. E foi dentro da Universidade de Brasília que eu cantei pela primeira vez música popular brasileira, num show em que iriam universitários de Minas Gerais, para fazer um intercâmbio com a Universidade. E como todas as pessoas com quem eu lidava tinham ligação com a Universidade de Brasília, eles me chamaram para fazer esse show. Os cantores eram o Tião, a Lena, a Glorinha; e tinha uma banda que era de um dos alunos da Universidade, o Paulinho Machado, que é o compositor da música "América do Sul", que eu gravei depois. Ele me convidou para cantar MPB, pois sabia que eu cantava no coral. E foi dentro da Universidade de Brasília, num daqueles auditórios, que nós fizemos um show pela primeira vez.

Então é esse o momento da formação de sua cidadania, da sua consciência política, quando também a arte começa a florescer?

Eu acho que é nesse momento que eu tomo maior consciência das coisas. Até então, as informações ficavam todas periféricas... Eu já tinha todas elas, mas não tinha dentro de mim uma atitude com relação a nada.

E é servindo no hospital de Base que você testa esta formação, em termos humanísticos?

Fui trabalhar com crianças terminais. Foi assim meu primeiro contato com a morte, pois eu nunca tinha visto uma pessoa morrer. E eu trabalhei no hospital na anatomia patológica, ao lado da sala onde faziam autópsias. Meu primeiro contato foi chegar e ver gente morta. Fiquei chocado. No final você se acostuma com isso. Aí chegou uma hora em que fui levado para o Departamento de Cardiologia, para desenhar gráficos cardiológicos, já aproveitando a minha tendência para o desenho. E depois pedi ao diretor do hospital, que era meu amigo, para trabalhar com loucos ou com crianças. Ele criou uma escolinha na pediatria onde havia uma professora que dava aulas para crianças em fase terminal. O diretor me ofereceu uma sala para fazer recreação com essas crianças, sendo que isso era uma coisa que homem não fazia. E fui lá para fazer recreação com essas crianças. Muitas delas, no dia seguinte quando eu voltava, já não estavam mais, pois tinham morrido. Comecei a entender o que era isso, e que eu estava ali para que os últimos dias daquelas crianças fossem dias alegres, agradáveis e com diversão. Além de fazer teatro, eu comprava material com o meu dinheiro, para fazermos esculturas, pinturas, colagens e máscaras. Houve um momento em que tive autorização para levar essas crianças ao Jardim Zoológico e outros lugares. Mas era complicado, porque havia muitas cadeiras de rodas. Mesmo assim, consegui por algum tempo ainda sair com essas crianças. E eu era o brinquedo delas.

E o que você aprendeu com essa experiência?

Eu entendi que você pode ser útil, servir. Acho que servir é a palavra certa.

E isso gerou um fundamento igual a quando você está no palco? É o mesmo sentimento de doação?

É. Acho que, em termos profundos, aquilo ali me possibilitou essa oferta em todos os sentidos. Ter trabalhado com aquelas crianças terminais exercitou em mim essa oferta sem esperar nada. O que eu podia esperar nessa situação?

O que causou espiritualmente em você o fato de ver a morte de perto?

Me fez olhar para a vida de uma outra forma. Essa questão de bens materiais, para mim, está tudo muito claro. É tudo passageiro e ilusório. Não me debato por dinheiro. Não coloco o dinheiro como a primeira meta na minha vida, jamais. Isso Brasília me ensinou: o mais importante não é o dinheiro. Ele vem como conseqüência do trabalho que você faz. O dinheiro não é a meta. A meta para mim é esse exercício de troca. Hoje posso dizer que o meu ideal humano é estar sendo o tempo todo gerador de energias positivas, e estar passando isso para as pessoas constantemente. Claro que eu não afirmo que consiga fazer isso 24 horas por dia, porque a gente sofre interferências. Mas a minha meta é ser um gerador de energias positivas para qualquer pessoa que passe por mim na rua. Quando vejo uma pessoa necessitada dormindo na rua, conscientemente emano para ela alguma coisa calorosa que as pessoas não estão nem percebendo. Também não precisa perceber, mas acho que chega até ela.

Então Brasília foi fundamental para você sacar esses valores espirituais?

Fundamental. Eu sou quem eu sou porque passei por Brasília. Brasília me fez tomar consciência do meu ser mais profundo.

É, eu também fui para lá por causa disso. Eu saí de São Paulo, que estava afetando muito o meu ego de artista, e fui para Brasília para jogar um banho de água fria nele. E para saber muito mais do que jamais sonhei ao encontrar os meus parceiros de um projeto político, poético e ecológico alternativo, isto é, encontrar, como você, a minha tribo. Brasilía me dá tempo de compreender uma máxima de Cristo: "Olhai para as coisas do Alto; o restante ser-vos-á dado em acréscimo". E eu entendi que essa coisa do Alto não é só olhar misticamente para a divindade. O Alto é o serviço, é o fato de você ser útil às pessoas, olhar com compaixão para a humanidade da humanidade, e sentir ainda a capacidade revigoradora do amor incondicional. Ter até mesmo paciência com sua própria intolerância e outros defeitos. E não esperar nem pelo acréscimo, porque você não pode esperar nada. Para o servo basta apenas o serviço altruísta. O restante aparece e não é por nenhum milagre. É o trabalho natural da ética cidadã. Eu sinto isso na experiência da minha vida, porque está tudo vindo. Não precisa muito esforço e sacrifício; o tal do trabalhar com o suor do seu rosto. Cristo também disse: "Não vos preocupeis, pois o Pai-Mãe tudo sabe e provê". Quer dizer: "Não fique pré-ocupado. Ocupe-se em trabalhar e servir da melhor forma possível".

É. E nem ficar inseguro. Faça tudo o que você puder. Faça, em todos os sentidos, despreocupadamente do retorno. O retorno virá, inevitavelmente.

E o que o colocou para fora da experiência de Brasília?

Eu saí de lá em 66, depois do golpe militar. E saí mais determinado ainda de que eu seria artista. Eu ainda não tinha certeza quando vim para o Rio de Janeiro. Na verdade, eu fui ser hippie, que era uma forma de exercitar a minha liberdade e independência, dentro de um país que não permitia nada disso. Então, quando eu fumava maconha, era uma atitude transgressora. Eu não estava fumando para ficar doidão. Naquele exato momento, isso significava transgredir o comando. Só que a maconha e o ácido lisérgico me abriam novas percepções... Olha, a primeira vez que eu tomei um ácido eu já era hippie. Fui para Búzios quando ainda era uma aldeia de pescadores. Tomei um banho, vesti uma roupa branca e fui para beira do mar. Quando o ácido bateu, entendi tudo. Entendi o valor de todas as coisas e que nada tinha mais valor do que as outras coisas; tudo tinha o seu valor e tudo era integrado. Eu não era mais importante que o grão de areia. O grão de areia era tão útil e tão necessário quanto a árvore e quanto eu. Chorei muito nesse primeiro ácido que eu tomei, porque me abriu uma compreensão, que não era só espiritual, era uma compreensão transcendental.

E também de "pertencimento" ao mundo.

Sim, de ter o pé na Terra, o planeta. A relação com o planeta foi estabelecida com um forte sentimento de pertencer à Terra.

Que você era parte água, parte terra, parte fogo, parte ar, parte espaço...

Foi muito sério. Nunca tomei essas drogas como drogas meramente... Eu sempre tomei como experiência de uma percepção extra do mundo e da vida.

A grande sacada que eu tive com o fumo foi meditando sobre a matéria de um copo. O copo não era mais só o copo, era além do físico. Quando depois ouvi a música "Copo Vazio" do Gilberto Gil, entendi mais ainda, porque ele mata a charada do copo vazio que está cheio de ar e de outras metáforas... Então, nunca mais coloquei um copo sem delicadeza em algum lugar. Eu pouso o copo na mesa e faço isso com consciência real do fato e não da mecânica do fato. Não abandono a matéria... Comecei, a partir daí, a ter mais respeito pela organicidade da matéria e acreditar em sua transcendência. Foi muito educativo para mim a percepção também do outro, no objeto e no ser humano com quem convivo. Eu também sou o outro. E isso torna mais delicados e sensíveis os limites e também o acolhimento das diversidades culturais e espirituais. Isso sem falar no outro ou outra que habita dentro de nós e que nos desafia constantemente no espelho da vida...

...o reflexo. Nosso reflexo no outro...

E nosso "pertencimento" ao outro, ao perceber toda essa transcendência que podemos também alcançar pela experiência do estado alterado de consciência, seja por meio das plantas lisérgicas, do xamanismo ou pelo êxtase místico. E é nesse momento que se percebe que matéria é espírito e espírito é matéria...

Tudo é conseqüente... O lisérgico, especialmente, me dava essa consciência de que eu não acabo aqui. Mesmo que eu não enxergue, estou continuando e sou continuado. Tudo continua, tudo se interliga e tudo está interconectado. Essa coisa eu entendi. Ajo no mundo acreditando nisso. Por isso é que, quando passo por uma pessoa desamparada, emano energia positiva. Tenho a certeza de que o que eu emano chega até ela, mesmo que ela não saiba nem que eu emanei. E ela não precisa nem saber. Mas eu acredito que o meu pensamento gera um magnetismo, um movimento que vai lá...

E isso até a ciência já está começando a perceber e admitir quando fala dos "campos mórficos de ressonância". E voltando à Brasília da sua época, a cidade para você era o lugar de liberação, do delírio e do desbunde...

É, mas não acho que fosse um desbunde sem um eixo. Quando as pessoas falam de "desbunde", a impressão que dá é que você fica sem eixo. Mas tudo tinha sentido.

Na verdade, havia um profundo gosto pela liberdade de estar naquele lugar, vivenciar pessoas que se permitiam, dentro do seu livre arbítrio, fazer coisas muito criativas e também extremamente responsáveis; e, ao mesmo tempo, no "desbunde", no sentido de você viver sua liberdade com muita...

...clareza.

E como se deu essa transição de Brasília para o Rio de Janeiro?

Eu pedi uma licença lá no serviço público e vim para o Rio de Janeiro, onde continuei a fazer teatro. Fiz uma peça infantil; um musical com a Regina Duarte, que foi a minha primeira experiência profissional. Nesse meio tempo, eu fazia meus objetos na casa da Luli, que tinha um quintal onde eu podia fazer muita sujeira, porque tinha muita cola, muito verniz... E quando ela não estava dando aula de violão, a gente cantava junto. Ela tinha saco de tirar as músicas naqueles tons estranhos que eu cantava. Exercitei muito isso com a Luli. Foi através dela que surgi como cantor. E quando o Luiz Fernando, o companheiro dela, foi a São Paulo fazer a fotografia de "O Diamante Cor-de-rosa" com o Roberto Carlos, a Luli conheceu o João Ricardo e compuseram o "Vira". Eles ficaram amigos. Quando ela chegou ao Rio de Janeiro, me disse: "Olha, tem um grupo em São Paulo que está precisando de um cantor que tenha o seu timbre de voz, mas você tem que ir para São Paulo". Aí o João Ricardo veio ao Rio de Janeiro e me fez o convite. Três dias depois, eu já estava em São Paulo com as poucas coisas que tinha, que cabiam dentro de uma sacolinha que eu mesmo tinha feito. Tudo que era meu estava ali dentro... E fui também sem grandes expectativas. O que acontecesse seria mais uma experiência. Claro que eu gostaria que desse certo. Se não desse, também teria vivenciado aquilo e teria sido engraçado. Só que os "Secos & Molhados" aconteceu desde a primeira vez que a gente se apresentou.

E como foi a onda de fazer artesanato?

Comecei a fazer em São Paulo, quando vivi lá dois anos, num intervalo de tempo em que saí de Brasília, depois de 66. Fazia com couro, mas também misturava tudo. Tinha palha, penas, sementes e barbantes coloridos... Eu ficava pirando, fazendo objetos que ninguém usava. Eram coisas feitas com barbantes coloridos e com penas para você botar na cabeça, enrolar pelo pescoço; aí cruzava pelo peito, passava na cintura e amarrava... Uma coisa que só eu poderia usar. Depois usei no palco, porque ninguém tinha coragem... Eram muito extravagantes.

Era seu indígena de Mato Grosso se manifestando.

E eu também fazia cortinas de barbantes com conchas e outros materiais. Passava um fim-de-semana numa praia deserta, recolhendo tudo que o mar oferecia. Aí vinha caco de vidro do leite de magnésia, cacos verdes e azuis, tudo polidinho pelo mar. E eu usava essas coisas todas para fazer objetos. E vendia para os estrangeiros que gostavam muito, mais do que os brasileiros. Talvez achassem aqueles objetos exóticos e os levassem dentro desse conceito da coisa exótica.

Que potencialidades esse objetos construíam dentro de você?

Desenvolveram meu senso estético, de equilíbrio, de forma...

E quando você chega a São Paulo para fazer os "Secos & Molhados", o que aconteceu com o artesanato?

Deu sorte de a peça infantil que eu fazia no Rio de Janeiro ser montada também em São Paulo. Porque também eu não ganhava dinheiro de parte alguma; vivia mesmo era do meu artesanato. E quando cheguei a São Paulo, até conseguir me organizar, vender... Fiz três espetáculos nesse meio tempo, entre ter chegado a São Paulo e começar a fazer show com os "Secos & Molhados". Os três eram musicais, onde eu tinha que cantar e dançar. Foi um ótimo exercício para mim. Acho que isso foi a luz para eu chegar com um diferencial dentro da música, pois não queria ser o crooner de uma banda.

E o que os "Secos & Molhados" deixaram de aprendizado fundamental entre entendimentos e desentendimentos?

Me deu primeiro a convicção de que eu era artista, que eu era um cantor. Isso tudo eu já fazia, mas não tinha certeza. Quando você tem um público na sua frente, é que você vai ver se tem a convicção mesmo. Eu acho que os encontros e desencontros, acertos e desacertos, isso tudo é humano; isso tudo faz parte da convivência e do aprendizado humano. Quando olho para trás, não tenho nenhum sentimento negativo em relação a qualquer das pessoas, embora na época tenha sido uma coisa muito estressante... Mas não tenho nenhuma mágoa guardada, nenhum sentimento negativo guardado dentro de mim com relação a isso. Muito pelo contrário, tenho sentimento de gratidão.

Nós, artistas, somos os xamãs contemporâneos em nossas ações transmutadoras por meio da arte. Quando entramos no espaço sagrado do palco, somos transmutadores da realidade. E se nesse momento a gente não colocar as mágoas e outros sentimentos menores para processar e aproveitar aquela bruxaria no grande caldeirão da criatividade, estamos perdendo um preciosíssimo tempo.

Eu entro muito consciente no meu trabalho de transmutação. Adquiri essa consciência. Quando entro em cena, sei que estou fazendo um trabalho enorme com uma multidão enorme. Mas é um trabalho, além de estar divertindo. Não é só entretenimento. Estou entretendo, mas também estou fazendo um "outro trabalho", que, esse sim, acho ser o mais importante. Eles também não precisam saber, porque acontece independentemente. E só acontece porque eles estão abertos para mim. Eu acho que é isso aí que você fala. Os artistas têm essa possibilidade direta de trabalhar com isso, de transmutar as coisas ruins nas pessoas, as dores, os sofrimentos. E naquele momento ali aquela coisa pode ser transformada em outra coisa, ser transformada em alegria e excitação... Mesmo a coisa sexual, não acho que seja um dado negativo na história. Sabe, quando as pessoas dizem: "Ah, mas é muito sexual", é sexual, sim. A sexualidade é estímulo também. Quando chega uma pessoa de 70 anos e me diz: "Eu achava que estava morta, mas você me fez ver que não". Eu fico feliz. Que coisa boa poder estimular as pessoas dessa maneira. É muito bom isso. É claro que não vou ser objeto; quer dizer, sou objeto de desejo, mas não preciso corresponder a isso. Mas não é bom estimular as pessoas a saberem que elas ainda estão aptas e capazes? Acho que é bom ser esse estimulador.

E despertar para a verdade e para a realidade de coisas que estavam adormecidas.

Que vêm junto com isso também.

Ao trazer do "inconsciente-lodo" para a superfície "consciente-flor-de-lótus". Do invisível para o visível, que é o papel do xamã-artista.

Pois é, exato.

Eu me exercito muito mais com o consciente coletivo do que com seu inconsciente. E você trabalha com a consciência coletiva naquele momento de palco, traz do inconsciente para a superfície as coisas que as pessoas estão deixando adormecidas ou estão negando em seu medo de ser. E você vem com a sua alegria, porque não tem medo de ser. Os que não têm consciência disso sobem ao palco apenas pelo ego.

É, mas estão cumprindo isso também, mesmo que não percebam.

Mas quando você tem consciência disso, o ato ganha grandeza, dignidade e uma eficácia muito maior.

Claro, sendo consciente é mais eficaz. E eu fico mentalizando cores antes de entrar em cena, jogando em cima do público cores tranqüilizantes e curativas. O que vou fazer? Sou assim. Eu sou um bruxo.

Nós nos irmanamos com vários outros artistas, porque cumprimos nosso papel de iluminar. Nós não somos iluminados, mas somos seres luminosos. Agora voltando aos "Secos & Molhados", como naquele momento se processava o oficio de ser artista nesse sentido de que estamos falando?

Ali ainda era o momento de implantação. Ali era o Brasil, um país muito machista, vivendo aquela situação de extrema violência da ditadura. Então, eles podiam ser muito agressivos comigo, se eu não o fosse antes. Eu já entrava muito agressivo, porque era o modo como eu desarmava as pessoas para me deixarem entrar, chegar e me expressar. Mas com o passar do tempo, eu vi que isso era desnecessário; já tinha um espaço dentro do coração das pessoas. Eu sacava que já gerava simpatia. Quando eu comecei a perceber que da platéia emanava simpatia, eu comecei a me desarmar... Eu não precisava mais disso. Aí é que ficou bom, porque não tinha agressividade nenhuma...

Aquela agressividade inicial era apenas uma máscara.

Era a máscara, não era eu. Era o provocador. E eu sabia que estava mexendo num vespeiro. Mas isso não me impediu de desafiar o vespeiro. Eu sabia que vinha para provocar mesmo, que ia expor uma coisa forte, que poderia haver reação àquilo. Mas eu achava que valia a pena tentar, principalmente por a gente viver naquele sufoco.

O que tinha de seu naquele personagem?

A essência do meu ser também estava ali, envolvida naquilo. Não era só a superfície; eu acreditava naquilo. Aquilo era absolutamente verdadeiro para mim. Não era uma coisa para consumo. Era eu me expressando daquela forma. É claro que estava protegido pela máscara, porque eu tinha medo de perder a minha privacidade. Eu ouvia falar que artista não tinha vida particular; artista não podia andar na rua. Eu tinha 31 anos e não podia perder isso, mas acreditava naquilo... Ali era minha vida colocada em risco todos os dias.

E só se faz arte correndo riscos. É preciso caminhar na incerteza, na trilha da insegurança, senão não há desafio em fazer a arte. Se você tiver sempre certezas ao entrar no palco, o desafio não tem a mínima graça. Então, qual era a separação entre o seu ser real e aquele personagem?

Não, aquilo era de verdade. A consciência daquele ser era a minha. Aquilo era uma coisa que eu projetava, mas era também a minha consciência. Hoje desenvolvi aquela consciência. É claro que no decorrer da história fui aprendendo a entender, porque também muita coisa era intuitiva. Como tudo era novidade, eu arriscava coisas; ia na intuição... E fui começando a aprender o que é a massa e o que era o pensamento coletivo. Nunca tinha lidado com isso, mas entendi isso exatamente no dia em que me agrediram. Estávamos fazendo um show num ginásio enorme e com milhares de pessoas, começaram a me chamar de bicha. Eu disse: "Ih, cacete...". Eu estava cantando "Rosa de Hiroshima". Olha, que hora errada! Aí eu parei de cantar, fiz uma pose linda e disse: "Vocês estão me chamando de bicha? Tá aqui uma pose linda pra vocês". Continuaram me chamando de bicha. Eu disse: "Ah, é? Vão tomar no cu!". Quando eu disse isso, a outra metade que não estava se manifestando começou a me aplaudir e aqueles que estavam me chamando de bicha calaram a boca. Então entendi que não podia ter medo deles. Se eu tivesse medo deles, eles me dominariam. Mas foi a única vez que isso aconteceu.

Yoko Ono disse: "Não ter medo de ter medo"; e eu acrescento que toda dor é você não ser você mesmo. Para você, aquelas pessoas que o insultaram estavam com medo de ser elas mesmas?

Claro, é uma reação; uma reação a alguma coisa que as afetava profundamente. Eu entendi e saquei essa mecânica. E disse: "Pô, isso significa que eu estou incomodando no nível da inconsciência deles". E isso foi muito interessante.

Foi um momento muito importante, marco divisor da sua história.

Foi, sim. A partir daí eu já sabia; se isso acontecesse, eu já sabia o que significava. Na primeira vez, por não saber o significado, eu não sabia como lidar com o fato. Mas, a partir disso, o que pensei foi: "Ah, tá bom, não posso mais ter medo".

O segredo está todo aí e não é segredo nenhum.

Nenhum.

O medo é que alimenta tudo; toda a humanidade está nessa crise existencial. Os seres humanos têm medo de ousar. E é nesse ponto da ousadia e da coragem que eu compreendo a sua forma de se manifestar no mundo. Eu queria compreender como que esse processo vai acontecendo em sua maturação e dentro da construção dos "Secos & Molhados". Havia uma vontade coletiva do grupo para nascer o seu personagem?

Não, não é da vontade coletiva dos "Secos e Molhados" que ele nasce. Eu tive que enfrentá-los para poder manifestar isso.

Como se configurou esse arquétipo dentro do grupo?

Nós ensaiamos por mais de um ano aquelas músicas. Quando foi marcada a nossa primeira apresentação, eles falaram para eu usar aquela boina do Che Guevara. E eu disse: "Meu Deus do céu, mas eu não tenho nada a ver com isso; é uma mentira se eu me vestir de Che Guevara". Então, no primeiro ensaio eu perguntei: "O que vai sobrar de espaço aqui pra mim?" Eles disseram: "Olha, sobra esse quadrado aí". Eu disse: "Então vamos fazer um trato. Aqui dentro desse quadrado eu vou fazer o que me der na cabeça, tá?". Eles concordaram. Nem eu nem ninguém sabia o que eu ia fazer naquele quadrado. Eu sabia que não queria ser um crooner, e que não queria perder minha privacidade. Eu estava muito treinado na coisa do teatro, pois estava fazendo uma peça, cantando e dançando. Resolvi liberar aquilo que eu sabia fazer, que era cantar e dançar. Daí comecei a criar uns personagens teatrais. Tanto que, no começo dos "Secos & Molhados", não era um personagem, mas vários. Cada dia era um. O que mais se destacou foi aquele da pena de faisão na cabeça. Quando nós fizemos a primeira apresentação para o elenco, eu estava cheio de trapos em cima de mim e outras coisas amarradas. No dia seguinte, eu comecei a ganhar coisas: broches, panos e fitas. E eles foram me alimentando dessas coisas para eu construir essas imagens, que a cada dia era uma entidade. E as coisas que eu fazia, o meu artesanato, comecei também a usar. Vi, então, que era por aí que eu tinha que caminhar; entendi isso a partir do primeiro dia que entrei em cena.

Você acha que aqueles personagens começam a se formatar e se configurar a partir do artesanato que você fazia com matéria reciclada, o canto e a interpretação teatral, tudo se fundindo...

Tudo, todas as minhas informações foram juntadas ali. Todas as minhas tendências e todos os meus exercícios de ser. É muito bandeiroso que eu nunca mais tenha feito nada de desenho, artesanato e teatro, porque nesse momento tudo se concentrou naquilo ali. Então todo o meu sentido estético, tudo foi organizado ali na minha expressão musical e também na minha expressão teatral e cênica.

É nesse momento que você começa a conhecer o que é a felicidade?

Não. Aí eu conheci o conflito... Comecei a perceber o enorme prazer de estar num palco exercitando isso. Mas esse primeiro estágio todo foi de conflito. Meu Deus do céu!

Conflito com o quê?

Conflito com o próprio grupo e com as autoridades. Imagina, eu recebia recadinhos assim: "Você está passando dos limites". Quanto mais eles me mandavam recados, mais louco eu ficava. Eles queriam me proibir na televisão por causa da androginia. E a primeira vez que gente fez televisão em São Paulo, um censor lá dentro disse "Olha, você não pode aparecer pintado desse jeito, porque isso é coisa de mulher". Eu disse: "Olha, me mostra uma mulher com cara pintada de branco do queixo até a testa, de preto do nariz até a orelha. Eu nunca vi uma mulher pintada assim". E aí o rabo de cavalo não podia, porque rabo de cavalo era coisa de mulher. Eu disse: "Mas o rabo de cavalo é porque o cabelo é uma coisa muito valorizada. Não quero valorizar o cabelo exatamente, quero tirar esse valor dado ao cabelo. Por isso eu prendo o cabelo". E ele ainda disse: "Mas não pode se requebrar". E eu: "Tudo bem, não precisa me mostrar da cintura pra baixo". Ele não desistiu: "Mas, e esse olhar?". Eu saquei o que eles estavam vendo, mas me fiz de desentendido e disse: "Ah, mas eu não sei do que vocês estão falando". Não sei o que eu estava pensando naquele momento, mas sabia perfeitamente bem tudo a que ele estava se referindo. Era sobre um olhar muito incisivo, olho a olho com o espectador de casa. Isso também foi uma coisa subvertida por nós, porque esse olhar não existia dentro da televisão. Quando nós viemos à TV Globo pela primeira vez, a primeira coisa que disseram foi: "Vocês não podem olhar pras câmeras". Eu disse: "Mas eu quero me comunicar com quem está em casa". Disseram: "É, mas não pode olhar para as câmeras". E falei: "Mas eu vou olhar, sim". Eles sabiam desse poder. Era uma lei dentro das televisões: "a câmera mostra você, mas não olhe pra ninguém em casa". Ninguém se comunicava diretamente.

Não pode mostrar o que há na alma.

Não pode, não podia.

O que isso causava e mexia dentro de você?

Isso me provocava para eu ir pirando e desafiando cada vez mais.

E dentro dos "Secos & Molhados", como essas suas atitudes eram vistas por eles?

No começo eram malvistas, porque eles falavam que não eram um grupo de homossexuais. Um dia, teve uma reunião para ser abordado esse assunto e eu disse: "Olha, então tudo bem. Se esse é o problema, vocês digam que vocês não são, que só eu sou". Mas aquela minha imagem começou a ser muito atraente. E as crenças e preconceitos... Tudo dançou, a partir da primeira entrevista que nós fizemos para o Jornal da Tarde.
O jornalista começava falando que tinham entrado na redação três pessoas e um deles com uma camiseta listradinha de criança, que a gente usava só no Rio de Janeiro, e uma calça Saint T ...
Bené Fonteles

BRASÍLIA, MARÇO DE 2001

Fonte: Veja Abril
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Chico Buarque - Leite Derramado - 2

Chico bebe o leite amargo da mulher amada

Em sua terceira ficção, Chico Buarque retoma a narrativa em primeira pessoa com o Eulálio, um aristocrata carioca centenário que conta suas aventuras nos anos 20 e 30 preso a uma cama de hospital.
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Há quem diga que o Chico Buarque escritor jamais chegará aos pés do Chico Buarque compositor. Mas será que a segunda carreira não foi uma escolha consciente do músico que já esgotou quase tudo o que tinha de dizer no gênero samba, e isso ainda na juventude? A pergunta pode ser respondida com a chegada ao mercado do romance Leite derramado (Companhia das Letras, 196 páginas, R$ 36), de Chico Buarque. O volume está sendo lançado com uma tiragem de 70 mil exemplares, a maior da carreira do autor. São duas capas para o mesmo volume, desenhadas por Raul Loureiro. Segundo a editora, isso aconteceu porque houve dúvida em escolher uma delas. A operação de mega-best-seller se justifica, pois os livros do autor costumam render vendagens altas para o padrão nacional: Estorvo vendeu 180 mil, Benjamin, 85 mil e Budapeste, 275 mil exemplares.
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Se Chico voltasse a lançar um disco hoje (o último tem três anos), certamente não venderia tanto. Sua quarta obra de ficção chega como o título de um astro pop, cercada de expectativa, sobretudo junto a seus fãs antigos. É a melhor de todas que já escreveu, e a mais cinematográfica. Afinal, todos os livros do autor têm sido adaptados para o cinema (o longa Budapeste, dirigido por Walter Carvalho, estreia dia 22 de maio), embora nenhum deles pareça ter sido pensado como ficção “tie in”, talhado para as câmeras, como o fazem muitos romances da nova geração urbana brasileira.
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O trabalho de Chico tem sido cuidadoso. Aos poucos, o autor de canções famosas tem dado lugar ao ficcionista de sucesso, embora menor que o do músico. Não foi possível transferir todos os dividendos sonoros para a literatura. Hoje poucos jovens sabem quem foi o compositor de “A banda” ou “Construção”, músicas que fizeram enorme sucesso nos anos 60 e 70. Aos 64 anos, Chico é razoavelmente conhecido como escritor excêntrico. Tímido, diz que odeia a maior parte dos jornalistas, concede raras entrevistas e, salvo exceções, não aparece nas colunas de celebridades. Esse jogo de repulsão e sedução ainda lhe dá charme especial junto a seu público fiel, em especial ao feminino, que aguarda seus livros como reencarnações de suas velhas canções - e algumas delas de fato renderiam contos genuínos.
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A ideia do enredo de Leite derramado lhe ocorreu em meados de 2008, quando ouviu a sua própria canção “Velho Francisco”, interpretada pela cantora Mônica Salmaso. Diz a letra: “Hoje é dia de visita/ Vem aí meu grande amor/ Hoje não deram almoço, né/ Acho que o moço até/ Nem me lavou”. Foi então, surpreso com seus versos, que resolveu escrever o livro, em cinco meses de atividade intensa. Mas se trata de uma utopia tentar enxergar os antigos versos líricos e engajados de Chico em seus romances. Mesmo porque ele se revelou na ficção uma voz mais amarga e desencantada que a do poeta juvenil.
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Para muitos críticos, o principal deles, Wilson Martins, Chico não passa de um subromancista que capta os modismos narrativos e os adapta a seu próprio discurso persuasivo. Para outros, como Leyla Perrone-Moisés (que assina a mega-orelha de Leite derramado), ele pode ser comparado ao escritor Marcel Proust pela forma como trata a memória de seus personagens. O juízo é exageradamente rigoroso de um lado, e complacente de outro. Nem vigarista nem Proust, Chico tem desenvolvido um estilo peculiar.
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A narrativa é bem tramada, embora sem variedade de personagens; na realidade, poucos se definem para além do narrador confessional. Suas histórias são digressões filosóficas contadas em primeira pessoa e abordam vidas de homens solitários e perversos, envolvidos nas angústias e dilemas que criam para si próprios.
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Em Estorvo, seu primeiro romance, de 1991, o narrador e personagem se deixa atormentar por um rosto distorcido pelo olho mágico de seu apartamento. Então pega sua mala e erra pela cidade, passando do sonho à realidade, sem observar transição, e o resultado é a náusea existencial. Benjamin, de 1995, aborda a obsessão de um fotógrafo por uma mulher morta. O olhar-câmera do narrador distorce os fatos e confunde passado e presente até tornar o mundo insuportável. Budapeste, de 2003, é mais irônico.
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O romance conta o drama de José Costa, o ghost-writer despeitado com a falta de reconhecimento de seu talento. Costa faz então da cidade de Budapeste a rota de fuga e o húngaro, a remissão de seu gênio literário. mantém o padrão dos livros anteriores: a narrativa é em primeira pessoa e o protagonista se revela digno de suspeita do leitor, porque distorce o mundo ao ritmo de seus caprichos e deboches.
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O enredo gira em torno das memórias patéticas de Eulálio, um aristocrata carioca centenário que conta suas aventuras nos anos 20 e 30 preso a uma cama de hospital. “Gira em torno” é o termo correto, porque a narrativa se organiza em 23 capítulos, cada um deles abordando um episódio da longa existência do protagonista. Eulálio conta sua história em espirais que partem de lembranças nítidas, passam por digressões e atingem o delírio, talvez causado por medicamentos fortes do hospital.
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Narcotizado, fala a um interlocutor esfumaçado, que tanto pode ser sua filha de 80 anos como a jovem enfermeira por quem se apaixona. Com isso, o ponto do em que o narrador se encontra oscila constantemente, como se deslocasse sem querer as suas lembranças. Do presente, passeia pelo passado distante como se fosse agora há pouco. No passado, prevê um futuro que já aconteceu - ou não. “É esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram, acabo de lembrar que Matilde vai sumir para sempre”, diz Eulálio, em referência à mulher. Da névoa de recordações surge um arremedo de saga da decadência de uma família, dos privilégios de seu pai, senador da República Velha, ao tataraneto, traficante de drogas. A vida de Eulálio se degrada aos poucos. Inicia na convivência com notáveis em seu palacete na “raiz da serra”. Mais tarde, muda-se para um apartamento chique na Zona Sul, até que é obrigado a saldar dívidas e se conformar em dormir no sofá do quarto-sala da filha, no subúrbio. Por fim, pai e filha vão morar em um quarto nos fundos de um templo pentecostal. As desgraças familiares importam menos que Matilde.
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Ela encarna a paixão eterna e desperdiçada, envenenada pelo ciúmes. Daí o título do livro. Eulálio contempla extasiado a mulher com os seis fartos de leite, amamentando a filha. E a imagem vulgar do ditado “não se deve chorar pelo leite derramado” se converte em epifania, em iluminação. Pois é Matilde e seu leite amargo quem assombra as memórias de Eulálio. Ela dançando samba ao som de “Jura”, de Mário Reis, ela se envolvendo com um francês, ela morena, com seu olhar de “pingue-pongue”, ela vítima da desconfiança doentia do marido, a desaparição súbita.. Invevitável comparar o amor de Eulálio e Matilde com a relação destrutiva entre o ciumento Bentinho e a enigmática Capitu, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Pena que Matilde não tenha um milésimo do mistério e da complexidade de Capitu. Como todas as figuras que não são os narradores nas obras de Chico, ela parece uma sombra esmaecida de mulher, ao passo que Eulálio parece vivo, até porque Chico se baseou em pessoas da geração de seu pai, o historiador Sérgio Buarque de Hollanda, com as quais conviveu intensamente. É o caso de seu “padrinho” musical, Vinicius de Moraes, embora Eulálio se pareça mais com um socialite do tipo Jorginho Guinle. Leite derramado daria um bom filme, ou, melhor ainda, uma minissérie de televisão... Caso o adaptador corrigisse e aumentasse a densidade de Matilde na trama.

Créditos: Luis antônio Giron

Livro - Leite Derramado



Leite Derramado: romance nascido da canção.



Chico Buarque de Holanda é o maior compositor brasileiro vivo. Poucos têm coragem de discordar. Sua vasta obra, original e finamente elaborada, dialoga com todas as formas da música popular brasileira, incorporando tradições, transformando ritmos e criando novas linhas poéticas.Como se o formato canção estivesse esgotado e não comportasse mais sua criatividade, Chico passou para a literatura a partir dos anos 90.



Inicialmente visto com desconfiança, pouco a pouco ganhou a confiança de críticos e leitores. Os romances viraram filmes, alguns se tornaram campeões de vendas, embora ainda fique a sensação de que o Chico escritor não atingiu o patamar alcançado pelo compositor.Sua última obra, Leite Derramado, é um caso muito especial. Chico escreve cada vez melhor, formalmente falando. Há trechos lindos, onde a poesia aflora.



Não se trata de uma história com começo, meio e fim, mas um conjunto de lembranças de um velho centenário, que atravessou o século XX participando da vida política e social do Rio de Janeiro. Sua memória se confunde, e as omissões, trocas, repetições e elipses jogam uma névoa de dúvidas sobre sua real biografia.



Curioso é notar que o próprio Chico Buarque já havia criado, de forma musical, um personagem muito parecido. Na canção O Velho Francisco, gravada em 1989 no disco Francisco, um velho internado num asilo rememora de maneira confusa (e poética) sua vida. O preto velho das estrofes embranquece (mas não totalmente) e se esparrama pelas 195 páginas do romance, lançado em 2008, agora como o decadente Eulálio d’Assumpção, filho de senador, de família outrora influente.



O velho Francisco diz: “Acho que fui deputado/ Acho que tudo acabou/Quase que já não me lembro de nada/ Vida veio e me levou”. Eulálio repete, com outras palavras, a mesma trajetória.Na belíssima canção, que foi gravada por Renato Braz, Zé Luiz Mazziotti, Oswaldo Montenegro e Mônica Salmaso, além do próprio Chico, o personagem diz que “hoje é dia de visita/ vem aí meu grande amor”.


As palavras iniciais do protagonista literário ecoam e amplificam a mesma esperança: “Quando eu sair daqui, vamos nos casar na fazenda de minha feliz infância, lá na raiz da serra”. Um novo amor impossível e uma origem rural comum ligam os dois velhos. Ou melhor, dá pistas de que talvez estejamos na presença do mesmo velho, confuso e solitário: “Freqüentei palácio sem fazer feio/ vida veio e me levou”.Ler o romance dá uma idéia do esforço titânico do escritor Chico Buarque em ampliar os limites de sua obra musical, de originalidade inconteste.



O criador corre o risco de se tornar um diluidor, enfrentando a própria sombra. E talvez este seja o desafio que o motiva.Partir da literatura para chegar à música não é novidade para Chico.



Em vários momentos exercitou esta transcriação, seja partindo de um poema de Drummond (Quadrilha), seja colocando melodias nas vidas severinas de João Cabral, seja recriando personagens de tragédias gregas, retirantes, malandros ou operários tipicamente brasileiros. Aqui, pela primeira vez, ele faz o caminho inverso.É notório que Chico deu dimensões inéditas à mulher como personagem central de muitas de suas canções.



Em Leite Derramado, a lembrança de uma mulher, Matilde, é recorrente, mas se oculta no passado. Quem está presente é a enfermeira que cuida de Eulálio, a quem ele propõe casamento. Para o velho Francisco da canção a mulher é anônima, mas também simboliza o único momento positivo da vida real, alívio para suas dores: “Ela vem toda de brinco/ vem todo domingo/ tem cheiro de flor”. Vida real? As mulheres, tanto lá como cá, são a matéria prima do delírio: “Eu gerei 18 filhas/ me tornei navegador”. O amor e o desejo empurram com força os personagens para o sanatório geral onde todos iremos ancorar.



O navegador Chico aponta seu barco para as águas mais profundas do romance, tentando superar a beleza sucinta da canção. Comprova, desafiando a própria obra, que um rio caudaloso raramente tem a beleza poética de um pequeno riacho.




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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Caetano Veloso - Origem das Canções


Algumas curiosidades que Caetano Veloso traz pela primeira vez a público.

"A voz do morto": A música foi ditada por Aracy de Almeida que participa de um festival só de sambas e estava irritada com a ideologia em torno daquilo. Entre palavrões costumeiros, a cantora reclamava: "acha que vão salvar o samba na televisão? Estou de saco cheio desse negócio de Noel Rosa, ter que arrastar esse morto pelo resto da vida". E pediu que Caetano fizesse uma música esculhambando o festival porque ela estava cansada de "arrastar esse morto (Noel)". Aracy ditou a letra, Caetano fez a música e ela adorou.

"Araçá blue": Caetano conta pela primeira vez para o público como nasceu a música. Foi através de um sonho que ele teve entre os 23 e 24 anos. O músico discorre três páginas do livro contando a interpretação do sonho: que sua irmã Maria Bethânia estava brilhando como uma estrela e ele estava com medo de colher uma coisa boa como isso fosse matá-la!!!

"Baby": Quando você pensa que Caetano vai explicar todas aquelas rimas de piscina, margarina, Carolina e gasolina, ele lembra um mérito da canção. Ela, segundo o cantor, foi a primeira música a usar a expressão "baby". "Além disso, trazia uma frase em inglês, "um tipo de coisa que começou a ser feita adiante", conta ele no livro.

"Beleza pura": Uma saudação ao início da "tomada" da cidade de Salvador pelos pretos. Para Caetano, os pretos até os anos 70 ficavam mais ou menos "nos seus lugares".

Músicas para Paula Lavigne (sua atual mulher): "Branquinha" ("é muito delicada e um pouco provençal" (a música no caso); e "Tá combinado" ("é do período que comecei a andar com Paulinha (...) dizia para uma amiga que não queria mais aquele negócio de amor, namoro, compromisso, que nosso lema era sexo e amizade (...) comecei a andar com Paulinha um pouco dentro desse pensamento, não sabia o que estava acontecendo nem para onde iria, então fiz a música.")

Músicas para Dedé (primeira mulher de Caetano): "Ela e eu" ("quando começaram a surgir os primeiros problemas que levaram ao fim do casamento"); "Este amor" ("comecei a canção a partir de um texto de Kafka"); "Itapuã" (essa música me emocionava muitas vezes, cantava e chorava"); "Queixa", e "Quem me dera".

"Coração vagabundo": Caetano descreve como a canção que ele mais gosta e, segundo ele, é a que mais resiste porque é muita antiga, do tempo em que conheceu Gil ou antes ainda, entre 63 e 64. Para ele, há quem cante errado, dizendo "meu coração de criança é só a lembrança", mas a letra diz exatamente o contrário: "meu coração de criança não é só a lembrança de um vulto feliz de mulher".

"Desde que o samba e samba": Além de explicar para que foi feita a música, Caetano discorre suas impressões sobre João Gilberto. "O certo é que ninguém produz João. Na hora em que ele chega, canta o que quer, depois muda; não canta as coisas que a gente pede, embora diga que sim, que vai cantar depois...". Mas tece elogios ao músico e conta sua alegria de João ter gravado essa canção.

"Diamante verdadeiro": Faz um piada com "Falso brilhante", nome do show de Elis Regina. Ele adorou o show mas diz que a letra da música de mesmo nome é contra um mundo anti-hippie, "de brilho, de cocaína, espelhos, estilo Hippopotamus". Um mundo que ele detestava e, daí, a canção "Diamante verdadeiro", que tem na letra "nesse universo todo de brilhos e bolhas/ muitos beijinhos, muitas rolhas/ disparadas dos percoços das Chandon/ não cabe um terço de meu berço de menino".

"Divino maravilhoso": Caetano diz que muitas pessoas não entenderam a música, achavam que os tropicalists eram alienados porque não faziam o papel do esquerdista convencional.

"Dom de iludir": A bela música gravada por Maria Creuza foi feita para ela respondendo ponto por ponto "Pra que mentir", de Noel Rosa.

"É proibido proibir": Depois que reconhece o escândalo que foi a música na época, Caetano confessa que não gosta dela.

"Escândalo": Para quem não sabia, Caetano confirma que a música foi feita a pedido de Ângela Ro Ro. E ele aproveitou uma briga que ela teve com a namorada dela - que acabou na delegacia e saindo nos jornais - para compor a música.

"Gente": Mais uma vez Caetano mexe com Elis Regina dizendo que ela fazia um show que parecia show de travesti. "Parecia um espetáculo da Rogéria, era muito bom".

"Mãe": Caetano confessa que nunca cantou em público porque considerava a música cafona e tem uma espécie de superstição com ela.

"Menino do Rio": Foi por encomenda da Baby Consuelo, como já era falado, e ele conta que foi feito para um surfista chamado Peti que Baby achava muito bonito. No livro, Caetano conta detalhes de quando a música foi feita.

"Manhatã": É dedicada a Lulu Santos.

"Michelangelo Antonioni": Caetano conta em detalhes como conhece o cineasta.

"Minha voz, minha vida": Se derrete em elogios a Gal Costa dizendo que "sua voz é a coisa mais bonita que ela tem".

"Muito romântico": Feita para Roberto Carlos que lhe pedia canções. "A primeira que fiz foi 'Como dois e dois', em Londres; ele gravou . Depois fiz, e ele gravou também 'Muito romântico' e 'Força estranha'. Ele continuou me pedindo e fiz mais duas, que ele não gravou. Uma delas se chama 'Pele'."

"Noite de hotel": Caetano conta que a fez em Lisboa, num hotel. Mais uma de suas músicas auto-biográficas em que ele demonstra o quanto está deprimido em um quarto de hotel. E explica seu ódio aos videoclipes da MTV.

"Nu com minha música": Não foi Caetano mesmo que disse que suas músicas são auto-biográficas? Nesta não é diferente. Ele fez a música mesmo nu, com seu violão, sozinho, num quarto de hotel de uma cidade do interior de São Paulo.

"O conteúdo": Caetano fez de uma raiva que ele sentiu de uma "bicha", como ele mesmo chama um conhecido baiano, que colocou um xale no meio de uma festa e resolveu ler sua mão. Ele dizia que Caetano ia morrer em dois anos e três meses. Assustado, já que se sentia vulnerável por causa do exílio, Caetano até deixou de sair de casa algumas vezes.

"O leãozinho": Para quem achava que a canção foi feita para uma mulher, Caetano conta que foi para o contrabaixista Dadi, amigo que ele adora. "Ele é lindo e, nessa época ele era novinho, era lindíssimo. Ele é de Leão, assim como eu".

"O quereres": Para Caetano, é uma forma de um homem dizer para a mulher que "não está onde ela quer".

"Onde o Rio é mais baiano": Conta a história de como Caetano conheceu Jamelão (puxador de samba da escola de samba da Mangueira). Ele ia sempre a Salvador, na festa de Iemanjá. "Ele ficava de pé nas pedras, todo de branco, jogava flores, acompanhava o ritual (...). Eu gostava de ver aquele homem, que parecia uma entidade".

"Peter Gast": Caetano explica quem foi Peter Gast, um sujeito importante na vida do filósofo Nietzsche. O cantor diz no livro que pensou que seria ridículo ele compor uma música que só ele ia entender.

"Rapte-me camaleoa": Feita para Regina Casé que numa peça do Asdrúbal Trouxe o Trambone (grupo de teatro carioca fundado por Hamilton Vaz Pereira e pelos atores Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães) se chamava Camaleoa.

Caetano Veloso em Detalhes



Caetano Veloso em detalhes


Que a canção "Vera gata" foi feita para a atriz Vera Zimmerman não era mistério. Mas muita gente tinha dúvidas sobre se realmente "O leãozinho" foi composta para uma mulher...

E será que muitos sabiam para quem foram escritas "Queixa", "Tá combinado" ou "Ela e eu"? Pois está tudo explicado em "Sobre as letras", livro em que Caetano Veloso comenta detalhadamente cerca de 200 composições suas.


A obra, na verdade, é um apêndice de "Letra só", outro livro que contém letras de músicas revistas pelo próprio cantor e compositor e pelo idealizador do projeto, o poeta Eucanaã Ferraz (também professor de literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro) e editado pela Companhia das letras.


O livro (ou melhor, os livros que vêm juntos em uma capa de plástico transparente) já está nas livrarias e promete ser uma das grandes saídas para este período de Natal. Afinal, trata -se de uma daquelas obras que levantam curiosidade de simples apaixonados pela MPB e, principalmente, pelas canções de Caetano.


No entanto, parece que o próprio organizador dos livros já esperava uma reação do tipo: não seria desnecessário comentários sobre obras que já podem dizer por si só? "Há que considerar os comentários uma permanência no largo âmbito da 'fala', que aqui (no livro ) dá a ver alguns mecanismos essenciais de uma poética que impõe certas dificuldades ao trazer para o jogo com o leitor (e o ouvinte) o resvalo de contornos e conceitos, o estranhamento, a diferença e a crítica", escreve Eucanaã na nota introdutória do livro. O livro "Letra só" também tem um valor importante, não sendo feito apenas de meras reproduções das letras de Caetano Veloso. Trata-se de uma revisão de vários erros que se arrastavam desde o lançamento dos discos, trechos cortados pela censura da ditadura e até mesmo uma ou outra palavra foram alteradas.


Fonte: Globo Online

domingo, 25 de outubro de 2009

Chico Buarque - Livro História de Canções

Livro - História de Canções - Wagner homem